quinta-feira, 18 de setembro de 2008

A Primeira Refeição

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Saint Jean Pied de Port vista de cima - Clique na imagem para ampliar

A minivan ficou completamente lotada entre peregrinos brasileiros e suas mochilas. Rogério, solícito por natureza, aceitou ir no porta-malas diminuindo o aperto contudo, a sinuosa estrada que atravessa os altos Pirineus e que nos levaria ao lado francês, não tardou em marear por completo meu grande amigo.

- Señor – pedia ele visivelmente enjoado – poderia ir mais devagar? Não estou passando bem. Não adiantou! O taxista em nenhum momento o atendeu.

Já em Saint Jean Pied de Port, com Rogério zonzo e verde, começamos nossa busca por um albergue. Subimos lentamente a Rue de la Citadele, principal via de pedestres da cidade onde vários albergues privados se espalhavam um atrás do outro. Todos pagos. Todos em francos, moeda que não possuíamos. Mais uma vez estávamos em apuros. Apenas uns poucos quilômetros da Espanha e nada de espanhol nem muito menos inglês. Ao mesmo tempo, nossa pequena quantidade de pesetas também de nada valiam ali.

Chico conseguiu exercitar seu francês conseguindo-nos ao menos acomodação num albergue. Menos mal! Uma rápida arrumada na mala, bate-papo daqui, bate-papo de lá e lá estávamos, somente eu e Rogério, nas ruas em busca de um local para comer. O enjôo dele havia passado mas não a expressão de terror e abatimento que só crescia nas últimas horas. Tudo era novo demais para ele, difícil demais de se assimilar em tão pouco tempo: a língua, a necessidade de se virar, a própria realidade da viagem. Tudo girava velozmente em sua cabeça. E na minha também!

Encontramos um pequeno restaurante e nos sentamos. A garçonete trouxe o menú e se postou ao nosso lado com o bloco de pedidos. Tudo em francês. Bateu o desespero:

- Parlez vous un petit pou anglais? – tentei em vão.
- Non.
- Espanhol?
- Non.

Caramba, isso vai ser difícil. Mostrei as pesetas e os dólares para ao menos ver se ela aceitava um dos dois. Impaciente ela fechou a cara, deu-nos as costas e foi ao caixa, resmungando com o balconista. Voltou segundos depois.

- Dólar.

Ei, já era um grande progresso! Vejamos; agora só nos falta escolher o prato. O menú nem sequer explicitava o que cada item queria dizer. Escolhi Confit de Canard simplesmente porque achei o nome bonito. Bière eu sabia que era cerveja. O pedido estava feito.

Quando a carne acinzentada, mergulhada num molho vermelho e insosso chegou a nossa mesa, acompanhada de uma porção de batatas fritas encharcadas em óleo, não quis nem tentar adivinhar o que era. Comi. Somente dias mais tarde fui lembrar do nome e perguntando ao Chico soube o que havíamos comido: pato ensopado.
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domingo, 14 de setembro de 2008

Procurando Pesetas

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Vagueamos por cerca de uma hora em busca de algum banco ou casa de câmbio aberta. Nada!

Na praça Del Castillo deparamo-nos com uma figura calva concomitantemente estranha e familiar. Vestindo uma camiseta do Grêmio portoalegrense e concentrado nas páginas de um guia do Caminho de Santiago ele não nos viu aproximar.

- Só pode ser brasileiro – insisti com Marlos – Vou lá perguntar.

Em sua rápida apresentação César disse que chegara a Pamplona no dia anterior e que iria partir para Saint jean Pied de Port naquele dia, inciando, então, sua peregrinação. Mais um se juntava a trupe brasileira em terras espanholas.

A fome começara a bater e viera junto com o cansaço de mais uma noite sem dormir, o incômodo do peso da mala, que insistia em não se ajustar ao meu corpo, a incompreensão do espanhol falado na Navarra (muito embora eu, de certa forma dominasse o castelhano) e as frustradas tentativas de troca de moeda.

Se para mim o peso desses contratempos já era um fardo grande demais para carregar, para Rogério, que não entendia uma palavra da língua espanhola, carregava três quilos a mais nas costas e sentia sua Timberland apertar-lhe os dedos, o desespero era insuportável. Por várias vezes ele parou e sentou na calçada desolado, pedindo-nos que o esperasse.

César, o gaúcho, assentiu em trocar alguns dólares por pesetas, uma vez que, chegando um dia antes, conseguira pegar os bancos abertos:

- Só que não quero os dólares. Depois vocês me devolvem em pesetas mesmo.

Estranho, pensei comigo. Como é que alguém, que você conheceu poucos minutos atrás, lhe empresta o equivalente a cinqüenta dólares sem nenhuma garantia? Estranho!

Com dinheiro no bolso uma pequena parcela de ânimo que houvéramos perdido voltou. Sentamos num bar e pedimos uma refeição enquanto discutíamos como iríamos para os Pirineus. Estava decidido. Mais uma vez utilizaríamos um táxi e racharíamos entre os seis.

Após o almoço e seguindo a boa idéia de Chico, fomos a uma agência dos correios e despachamos para Santiago, via Posta Restante, alguns excessos. Rogério trocou a bota por um lindo par de tênis comprados de um camelô em São Paulo. Sentiu-se bem melhor. Com menos peso para carregar voltou a sorrir:

- Agora sim podemos começar o Caminho!

Mal sabia ele do que ainda estava por vir.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

A Conexão

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Tivemos de correr feitos loucos para pegar a bendita conexão a tempo.

- Cadê minha mala?
- Pera Betão, deixe-me ver se está tudo ok com meu violão.
- Rogério, nós vamos perder a conexão.

Não perdemos! Entramos no jato de perqueno porte para mais duas horas de vôo somente depois de Rogério inspecionar cuidadosamente onde o funcionário da companhia aérea acondicionaria sua mochila e seu precioso violão.

O cansaço queria me vencer mas não deixei. Conversei mais um pouco com Chico e logo voltei a excitar-me:

- Rogério, olha que demais os moinhos eólicos por toda a montanha! (mal sabia eu que poucos dias depois estariamos cruzando estes mesmos eólicos a pé.)

O aeroporto de Pamplona parecia deserto. Parecia não... estava! Era sábado mas, ao que parecia, para eles tanto fazia. A diferença de temperatura entre o confortável ar condicionado do avião e o calor emanado da asfalto e do motor, deixaram-me com a sensação de estar numa daquelas pistas de pouso clandestinas no meio do México.

O saguão ficou literalmente vazio logo que os passageiros locais pegaram suas malas. Nada, ninguém! Nenhuma loja aberta. Perguntei-me: “Tá, estou aqui mas, e agora? Vou para onde? Faço o quê? Socorro!”

- Vamos dividir um táxi até o centro? – disparou Chico

Ufa, ainda bem que estamos com alguém que já fez o Caminho. Sra. Rosali sabia possivelmente como e o que fazer.

- Vocês têm pesetas (1) ?

Pesetas? Hum, cadê a casa de câmbio? Ah, ficou em Madri onde não tivemos tempo nem de fazer xixi. Ninguém as tinha!

- Será que o taxista não aceita dólares? – disse eu num ímpeto de resolver aquela pendenga.

Meia hora depois estávamos eu, Rogério, Chico, Rosali e Marlos na Praça del Castillo, no centro de Pamplona.

(1) Nota do Autor: No ano de 2000 o Euro ainda não tinha sido implantado. Os países ainda utilizavam suas respectivas moedas: Espanha – pesetas / França – francos / Itália – lira / Portugal – escudos e assim por diante.
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Enfim, em Terras Espanholas

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O atraso no vôo, devido ao mau tempo, fez com que nos restasse poucos minutos para pegar a conexão que nos levaria a Pamplona, cidade mais ao norte da Espanha e ponto de partida para os Pirineus.

Enquanto aguardávamos na fila da imigração Rosali e Chico discutiam justamente sobre isso: daria tempo de pegarmos a conexão?

Rogério calou-se de vez. Cansado? Talvez!

Ainda na fila fui apresentado a outro peregrino, Marlos, um curitibano de quarenta e poucos anos, um tanto quanto fechado, mas ainda assim simpático.

Conforme aproximava-se minha vez de passar pelo agente de imigração um temor tomou conta de mim: “E se não me deixarem entrar no país? Se acharem que sou um imigrante ilegal ou coisa parecida? E se...”

- El siguiente. EL SIGUIENTE! – gritou de dentro da cabine um homem atarracado, com olhar de mau e olhos coléricos pela minha demora em me aproximar.
- Pasaporte – pediu ele num espanhol gutural. Olhou para a foto e depois para mim. Mais uma vez. Fez uma cara de quem não está gostando do que vê. Checou as páginas vazias de vistos ou carimbos de entrada.
- ¿Que vino hacer aqui?

Nervoso e tentando entender o que aquele homem me dizia saquei minha credencial de peregrino e soltei numa só vez:

- Voy a hacer el Camino de Santiago.
- El siguiente. EL SIGUIENTE! – gritou mais uma vez o homem, fechando meu passaporte e credencial e gesticulando para que eu saísse da frente do guichê.

Pela primeira vez o Caminho me salvaria de problemas.
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Decolando

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Minhas pernas compridas não conseguiam se ajeitar no espaço ínfimo entre as poltronas da classe econômica. Tentei mantê-las esticadas no corredor, mas o vai e vem dos carrinhos de bebidas e a cara feia das aeromoças (nossa, acho que na Ibéria eles contratam as aeromoças pela feiúra – vão ser feias lá longe!) interrompiam constantemente meu espreguiçar.

Um dos viajantes que me interrogara na fila do embarque veio até meu lado e continuou a querer saber mais sobre o Caminho. O cara era daqueles tipos que faz amizade fácil, quase um político, com gestos expansivos e sorriso largo. Fez-me levantar de minha cadeira e acompanha-lo até outra fila para me apresentar Chico e Rosali, dois senhores que também iriam peregrinar pelos campos espanhóis, sendo que ela iria pela segunda vez.

A conversa começou animada e aos poucos toda a seção do avião já nos conhecia. Eu não me cabia em tanta excitação. Passei a maior parte da viagem trocando de lugar, indo para um lado e para o outro, falando com todos os que, curiosamente que saber algo sob nossa empreitada.

- Estamos em lua-de-mel e vamos fazer um trecho do Caminho de carro.
- Vou fazer somente os últimos cem quilômetros.
- Estamos numa excursão; faremos o Caminho de ônibus.

Chico e Rosali nunca tinham ouvido falar sobre o Caminho do Norte. Sem desrespeitar minha decisão tentaram delicadamente dissuadir-me da idéia e acompanha-los pelo Caminho Francês.

- Senhores passageiros, devido a uma tempestade à nossa frente seremos obrigados a alterar nosso plano de vôo. Solicitamos a todos que permaneçam sentados em suas poltronas e afivelem os cintos de segurança.

A mensagem no alto-falante pôs fim a minha aero-peregrinação. Voltei ao meu lugar onde encontrei Rogério dormindo. Tentei fazer o mesmo. Algumas poucas horas depois acordei com o procedimento de descida. Estávamos em Madri.
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No Aeroporto

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No saguão do aeroporto bastou entrarmos na fila do “check-in” para que pessoas reconhecessem em nossas vestimentas e adereços dois peregrinos rumo a Santiago de Compostela.

- Que demais! De onde vocês vão partir? Quanto tempo vão levar? Farão tudo a pé mesmo? Qual o trajeto que vão fazer? Quanto vai custar?

Mais uma vez eu não tinha todas as respostas. Restringi-me a responder superficialmente, mas não menos empolgado cada pergunta. Aquele momento de “superstar” era bom, muito bom! Ser entrevistado por pessoas, ávidas por poder contar mais tarde que haviam dividido poltronas com dois malucos que fariam o Caminho à pé era inebriante. Mas, quanto mais nos aproximávamos do guichê, mais as dúvidas cresciam.

Como eu disse anteriormente, minha idéia inicial era fazer o chamado Caminho do Norte, tramo quase que desconhecido da maioria, uma vez que segue margeando o Oceano Atlântico e não cruzando o centro-norte espanhol como o célebre Caminho Francês, rota mais conhecida pelos brasileiros principalmente por ter sido este o que Paulo Coelho trilhou. Não me perguntem o porquê, mas queria fazer o do Norte. Era mais aventura, não tinha a estrutura completa como no Francês. Sairíamos de uma cidade portuária chamada Saint Jean de Luz, ao sul de Biarritz, na França e caminharíamos em terreno pouco explorado.

Ainda em São Paulo Rogério questionou se esta era mesmo a melhor opção contudo, como teoricamente eu que havia inventado a viagem, calou-se.

Na pesagem das mochilas tive a primeira impressão de que teríamos problemas. Diziam os ex-peregrinos e entendidos no assunto que o peso que você consegue (e pode) carregar nunca deve ser superior a dez por cento de seu próprio peso. Ou seja, nove quilos para mim e sete para o Rogério. Na esteira, doze quilos a minha mochila e 15 a dele, que continha alguns apetrechos indispensáveis como seu violão, um tênis, uma capa de chuva que podia cobrir uma dezena de pessoas, enfim, só o essencial.

Deixei os dois pombinhos se despedirem a sós, recebendo apenas um beijo encharcado de lágrimas da Mariana. Aguardei por meu amigo no lado de dentro da área de embarque. Dez horas de vôo; agora era “pra valer”!
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O Dia do Embarque

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Na manhã do dia 22 despedi-me longamente de meus pais, ouvindo um sem-fim de recomendações. A ansiedade era tamanha que eu não dormira na noite anterior; mas isso não me preocupava, pois haveria tempo de sobra para dormir no avião.

Coloquei pela primeira vez a mochila (que houvera emprestado de meu amigo Jorge) e senti-me completamente estranho. Nos próximos três meses aquela seria minha casa, um caramujo carregando toda sua vida nas costas. A sensação de liberdade tomou conta de mim.

Caminhei lentamente por dois quarteirões até um ponto de táxi, dando uma checada final nos pertences mais importantes: passaporte, credencial de peregrino, passagem, “travel checks” – sim, tudo estava comigo.

O motorista se empolgou e quis saber mais sobre como seria caminhar 800 quilômetros. Nem eu sabia dizer! Perguntava-me coisas que, muito embora tivesse lido, estudado, checado, naquele momento não sabia responder com precisão. A ansiedade só fazia aumentar. Chegando no prédio do Rogério aliviei-me; talvez um dia reencontrasse aquele senhor e lhe desse todas as respostas que queria.

Encontrei Rogério e sua namorada Mariana na porta de seu apartamento e por momentos pensei ter visto uma expressão de terror estampada no rosto de meu amigo. A primeira viagem realmente internacional dos dois. Rumo ao desconhecido. “Adiante e além!” Um sorriso nervoso e uma pergunta sem resposta:

- E aí? Preparado?

Mariana, em toda sua doçura, iria nos levar ao aeroporto. Com o coração partido via seu grande amor partir poucos meses após o início do namoro, época em que a necessidade de proximidade é mais proeminente, típica, por assim dizer, de casais apaixonados. Ela não escondia sua tristeza. Saber que voltaríamos em breve não amenizava sua dor.
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Preparação

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Alberto, poucos dias antes de partir. Para ampliar, clique na imagem.

Com a passagem finalmente em mãos só nos restava aguardar. Ou não!

Acordei naquele feriado, 7 de setembro, sobressaltado por um pensamento horrível: dentro de 15 dias estaria percorrendo à pé 800 km, uma média de 25 km por dia mas até aquele momento eu não me preparara fisicamente.

Meu corpo enrijecido por anos e anos de sedentarismo, vencido pela preguiça do dia-a-dia e ampliado várias vezes pelo maço, maço e meio de Marlboros diários agüentaria?

Antes que minha consciência dissesse que não tratei de calçar minhas novas e caras botas e parti para a rua. “Oras” – pensei – “Não pode ser tão difícil. Lá terei o dia inteiro para andar. Começando hoje estarei pronto para quando for para valer”.

Setecentos metros depois sentei-me ao meio-fio para recuperar o fôlego. Não conseguia dar nem mais um passo. “Que tipo de idiota sou eu? Tantos anos sonhando e planejando esta viagem e só agora resolvi me preparar?”

Voltei para casa arrastando minha carcaça podre e enferrujada. “Tô fodido! Acho que não vou agüentar!”

Peguei o telefone e ainda sem ar perguntei a Rogério:

- Você está se preparando fisicamente?

Do outro lado da linha uma sonora risada de desdém ecoou. Que idéia absurda a minha; que arrogância! Rogério sempre tivera um físico exemplar e uma disposição sobrenatural para aventuras ou esportes que exigiam muito do corpo.

- Ainda ontem subi e descida a Serra da Mantiqueira com meus pais. E estou fazendo exercícios aqui em casa também. Estou preparadíssimo!

Naquele momento, logo após desligar, jurei a mim mesmo que andaria setecentos metros a mais a cada dia. Sairia de São Paulo caminhando cerca de dez quilômetros. Em minha ignorante cabecinha seria o suficiente.

Não foi!
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terça-feira, 2 de setembro de 2008

A Passagem

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Decidido e com o dinheiro da rescisão em mãos comecei a me preparar para a empreitada.

Após cadastrar-me no melhor site de informações em português sobre o Caminho - http://www.caminhodesantiago.com.br/ - do ex-peregrino (mas sempre caminhando) José Roberto, engenheiro carioca que decidiu divulgar o Caminho após sua experiência em 1996, comecei a me inteirar melhor sobre como e onde por onde começar. Uma lista de discussão (às vezes acalorada) entre futuros e ex-peregrinos me deu informações valiosíssimas sobre quase tudo. Foi lá que conheci Maria Emília, outra carioca, mas morando em São Paulo, que era a responsável pela Associação dos Amigos do Caminho de Santiago.

Maria Emília não hesitou em receber-nos em seu apartamento, dividindo as atenções entre seu filho e a mim e ao Rogério para nos dar a credencial (1), uma vieira (2) e, através de suas histórias maravilhosas povoar-nos de sonhos e dicas. Que tarde que passamos com essa guanabarense! O espírito peregrino continuava vivo nela e pudemos senti-lo com todo o seu fervor! Uma idéia colhida naquele bate-papo fixou-se em minha mente: fazer o caminho do norte – uma das rotas (3) que levam a Santiago, mas que não é muito divulgada e da qual havia pouca ou nenhuma informação. “Que desafio” - pensei. “É este o Caminho que quero fazer!”

Uma agência no Rio de Janeiro oferecia a passagem São Paulo / Madrid / Pamplona (cidade ao norte da Espanha) e a volta Madrid / São Paulo, por míseros US$ 525,00 fruto de um convênio da Ibéria com o Governo Espanhol para difundir o Caminho de Santiago. Bastava apresentar a credencial. E ela nós já tínhamos!

Talvez o mais duro desse momento foi convencer o cético Rogério a depositar, junto comigo, o valor da passagem adiantado para a agência e por dias angustiar-me ao receber os telefonemas dele me perguntando: “Chegou?” – e não ter uma resposta positiva.

- Putz Betão, acho que entramos numa fria!

As passagens chegaram depois de uma semana.

Notas:
(1) foto – tipo de passaporte de peregrinos que lhe permite pernoitar em albergues. A cada um deles se carimba a credencial para, posteriormente, em Santiago, se ganhar a Compostelana, um diploma que “prova” que você fez o Caminho.

(2) Vieira é uma concha típica do litoral da Galícia e é utilizada como símbolo de identificação dos peregrinos.

(3) Os principais caminhos são:
Caminho Francês – o mais conhecido e utilizado – parte de Saint Jean Pied de Port, no sul da França, junto aos Pirineus
Caminho Aragonês – partindo de Somport – no alto dos Pirineus, na divisa entre a França e a Espanha.
Caminho Português – várias pequenas rotas que partem do sul de Portugal, Lisboa ou O Porto.
Caminho Inglês – de Ferrol (Espanha) à Santiago
Caminho Primitivo – de Porto do Acebo a Santiago
Caminho do Norte – de Saint Jean de Luz (França) ou Irun (Espanha) a Santiago
Via Turonense – que parte de Tours na França
Via Lemovicense – saindo de Vezélay (França)
Via de la Plata – de Sevilha à Santiago de Compostela
Via Tolosana – partindo de Arles (França)
Via Podiense – de Lê Puy em Velay (centro-sul francês) a Santiago.

Na verdade não existe um único Caminho mas sim rotas mais utilizadas. É muito comum na Europa as pessoas deixarem suas casas, seja lá onde elas forem, e partirem rumo a Santiago.
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segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Outros Deles

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Passado este primeiro desafio eu precisava explicar-me em casa e em família. Como ser simplista e dizer: “Tchau, estou indo passear por uns 3 meses na Europa e volto daqui a pouco?”.

No meio de 2.000 meu pai, então com 73 anos já dava os primeiros sinais, ainda que detectados, de sua doença, Alzheimer. A conversa com ele foi muito rápida e direta: eu iria fazer e pronto. E como não houve resistência, pressenti que realmente algo de estranho estava acontecendo. Ele não era de aceitar as coisas com tamanha facilidade.

Minha mãe e irmãs, sem saber exatamente como contra-atacar, limitaram-se a demonstrar preocupação com o meu futuro; "mas e depois?" - eu, obviamente, não tinha as respostas, mas depois era depois! E passei como um trator sobre as poucas argumentações.

Aos poucos eu ia ganhando forças. Algo mágico, inusitado, acontecia cada vez que eu repetia a alguém: "eu vou" - e as portas se abriam.

Não contava, contudo, com uma proposta "quase que irrecusável" de trabalho que surgiria de uma das últimas visitas de trabalho. Um ótimo salário, ótimos benefícios, ótimas condições de trabalho, ótimo cargo... tudo na hora errada!

- Se você já comprou sua passagem eu pago sua desistência. Não tem problema!

Por que essas coisas acontecem assim? Eu decidido a viajar e aos 48 minutos do segundo tempo me vêm com essa? Oras, deve ser um sinal claro para que eu vá! Ou não?

- Agradeço mas agora não é o momento! Quando eu voltar da viagem podemos voltar a nos falar; se você achar que ainda sou interessante para sua empresa...

Somente anos mais tarde fui encontrar Valter novamente. Não acho que teria valido a pena ficar!

Eu estava realmente decidido: dessa vez iria para a Europa; iria fazer o Caminho de Santiago.
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